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Os versos agradam bastante à humanidade e a prova disso é que juízes, militares, médicos, advogados, políticos, só se sentem grandes quando dizem que num dia distante: eles também faziam versos...
Que alguém não goste de versos, isso pouco importa à Poesia universal.
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O jogo de caça às imagens que o senhor Gombrowicz propõe poderia ser resolvido com a elementar frase escolar: a ordem dos fatores não altera o produto. Se havia imagens belas, se havia poesia, pouco importava lê-las antes ou depois. Se o poema não tinha uma espinha dorsal onde se apoiar, ou, em último caso, um tema, coisa absurda no poema moderno, cada imagem poderia viver por si mesma.
O mais natural é que os poetas escrevam, principalmente, para os poetas. Os poetas de massa, Pablo de Rokha, Whitman, serão lidos e apreciados por seus povos daqui um século.
A razão é bem simples. Um poeta de categoria que, durante trinta e tantos anos trabalha sua personalidade, ou seja, seu estilo, até alcançar o grau máximo de perfeição, não poderia ser entendido por aquelas multidões que, enquanto ele queimava as pestanas à luz de um lampião surdo, coçavam, sob o sol, a crosta da indiferença culpável ou da estupidez congênita.
O autor do artigo "Contra los poetas" faz alarde do fato de não gostar da poesia pura. Se por isso o senhor Gombrowicz entende a poesia abstrata que acredita viver à margem dos acontecimentos exteriores, dou a ele toda a razão.
Não é possível imaginar um senhor com a cabeleira cheia de piolhos, com barba por fazer, escrevendo loas à amada imóvel ou à lua, enquanto as multidões aterradas da Europa e da Ásia vão pelos caminhos como cães desterrados, famintos, esqueléticos, doentes de dor e impotência.
A poesia, senhor Gombrowicz, nunca é excessiva.
Os grandes poetas não desprezam elementos apoéticos, mas os utilizam. Outra vez lembre-se de Whitman ou de Rokha. Eles, precisamente, destruíram o que o senhor chama de monotonia.
É natural e lógico que o escritor e poeta profissional tenha, para seu desenvolvimento e seu uso, um material próprio selecionado. Se não fosse assim, seria como pedir a um médico que usasse uma linguagem de carroceiro ao se dirigir aos seus colegas em algum congresso ou aula universitária.
Queira-se ou não, os poetas ..................................................
Sem ir mais longe, Nietzsche deu parte do seu trágico talento a Hitler.
A poesia jamais será uma máquina porque para sê-lo precisaria deixar de ser individual.
A forma religiosa, em poesia, é a administração do eu, que se utiliza dessa poesia para brilhar, em defesa própria.
A forma laica é a arte coletiva, ou seja, o marxismo.
Os poetas não precisam de vinculações ex profeso com o meio porque, se são poetas, estão vinculados de fato com sua época e com a humanidade que os rodeia. Sem isso seriam inexistentes.
A arte não pode nem deve rebaixar-se às massas, isto seria subestimá-las. São as massas que devem elevar-se até a arte.
O Ulisses de Joyce me parece uma das obras máximas de um século. Não me aborrece por excesso de técnica. Penso que Joyce foi um artista-psicólogo, produto necessário, de superfície, daquela Inglaterra hipócrita e falaz que sempre precisou desterrar os seus gênios: Byron, Wilde, Joyce.
Seu exemplo do xadrez é nítido. Além disso, é moderno. Nos Estados Unidos, ninguém nunca discute com os adversários, nem em religião nem em política. A discussão é o reforço lógico das próprias ideias e convicções.
As assonâncias e dissonâncias já são um tema escolar, elementar, que ninguém leva mais em conta.
Se o poeta, ao escrever, pensasse que será lido por militares e sapateiros deveria se remontar à Bíblia e amarrar uma pedra no pescoço e se atirar ao mar.
O senhor pensa que o poeta, ao dirigir-se aos demais, parece se dirigir de cima, isto não é correto, o que acontece é que ele se dirige desde outro ângulo. Não existe essa coisa de cima e de baixo, há distância, simplesmente.
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Por qual motivo, senhor Gombrowicz, o senhor acha que os espectadores riem e caçoam num "Congresso de escritores"? Pura e simplesmente por inveja, por incapacidade. Por que esses mesmos espectadores não caçoam num congresso de mineradores, de médicos ou de políticos? É que estes últimos servem no imediato.
Dificilmente Shakespeare ou Dostoievski ou Pascal podem ser exemplos de poetas específicos como seriam em último caso Whitman, Lautréamont, Rimbaud ou Baudelaire, Byron ou Poe.
A poesia pura é, nestes momentos, francamente estúpida. A versificação com ritmo é uma forma arcaica que pouco a pouco tem que desaparecer.
A rosa, o amor, a noite, os lírios, existirão sempre que o poeta saiba situá-los dentro de um estilo novo e encontre, em relação a eles, a distância e a perspectiva necessária de que todas as coisas precisam para existir no mundo da Arte verdadeira.
Ninguém que não seja um degenerado escreve para si mesmo, senhor Gombrowicz. Nem Narciso seria capaz de se contemplar em águas paradas. Provavelmente se contemplaria em águas correntes.
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Os livros são lidos. Pergunte nas editoras. Somente na Argentina se edita 20 milhões de exemplares por ano.
A criança ama os poetas, não porque seja ensinada a amá-lo, mas porque os poetas têm a alma das crianças quando são puros.
Esta carta, escrita por Winétt de Rokha (1892-1951) a propósito e em resposta à conferência "Contra los poetas", do autor polonês Witold Gombrowicz (1904-1969), aparece anexa ao artigo "Winétt de Rokha y la vanguardia literaria en Chile", de María Inéz Zaldivar, com o título "Estética - polémica". O artigo está publicado no volume Bibliografía y antologia crítica de las vanguardias literárias - Chile, organizado pela própria María Inés Zaldivar e por Patricio Lizama.
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A polêmica conferência de Gombrowicz, em tradução minha e de Clarisse Lyra, pode ser lida no Caderno de Leituras No. 17, publicado na Chão da Feira.