terça-feira, 25 de junho de 2013

O poeta e o poder


Dos poetas chilenos que vivem no Chile, o mais interessante é Juan Luis Martínez. Dos que não vivem aqui, David Rosenmann Taub. Os dois, alheios a grupos, dedicam-se àquilo que lhes interessa - não à notoriedade, mas à poesia.

Comecemos pelo que está mais próximo. Publicou pouco; sua obra mais notável é "La Nueva Novela". Este romance é poesia em verso.

Por uma razão misteriosa, a poesia no Chile trata de todos os grandes temas com atrevimento; enquanto que a prosa de ficção apenas margeia vários dos mais cotidianos, profundos e urgentes. Este é o caso do poder. É bem sabido que os grandes assuntos literários são o amor (e seu contrário), o poder (e seu contrário) e a morte (e seu contrário...). O amor de Sicrano e Fulana, ou dois sicranos entre si, mais fulanas consigo, costuma ser o tema dos romances. A morte, assunto de todos, e a luta contra ela, também o são. Mas também o poder e seus contra-poderes, o ser objeto e, ainda mais, sujeito no exercício do poder? Como se isso fosse um assunto insignificante; como se a política - para chamar aquilo que é relativo ao poder com essa palavra complexa - não ocupasse o tempo dos chilenos, incluindo-se aí os escritores. Conversem com qualquer um. É mais do que provável, é certo que começará a conversa fazendo referência àqueles que mandam, uniformizados ou não, àqueles de quem dependemos com gosto ou desgosto; os que condicionam nossas vidas, quer estejamos dormindo ou acordados.

O poeta Martínez, em várias partes de sua "nueva novela" em verso, fala do atroz problema do poder. A última parte do seu livro, depois de singulares "Notas y referencias", se intitula "Epígrafe para un libro condenado: (La Política)". A epígrafe mesmo diz: "O pai e a mãe não têm o direito da morte sobre seus filhos, mas a Pátria, nossa segunda mãe, pode nos imolar para a imensa glória dos homens políticos. F. Picabia".

"La desaparición de una familia", ainda que o autor não o tenha concebido dessa forma, é o maior poema de desaparecidos de que se tem memória. O poeta sempre fala daquilo que ocorre, ainda que não o saiba. Assim, repete ao final de cada estrofe:

"al menor descuido se borrarán las señales de ruta
y de esta vida al fin, habrás perdido toda esperanza".
"al menor descuido olvidarás las señales de ruta"
"al menor descuido confundiréis las señales de ruta"
"al menor descuido ya no escucharás las señales de ruta".

E ao final:

"nunca hubo ruta ni señal alguna
y de esta vida al fin, he perdido toda esperanza".

O grande gênero da literatura no Chile é a poesia lírica. Fragmentários, contraditórios, incoerentes, os pobres líricos revelam a verdade espiritual de uma sociedade que não é muito completa, nem unívoca, nem congruente. Os poetas no Chile se atrevem a enfrentar-se a si mesmos, enfrentam aquilo que os rodeia e esta realidade irrisória que em vão se tentaria compor como unitária, transparente, incluída em si mesma.

E este é o maior poeta dentre os que vivem aqui. E é, além disso, uma Figura. Benigno, afável, generoso. Estar com ele acalma. Pode se visitado numa vila interior adentro. Igual a si mesmo, alto e ligeiramente inclinado, como que para favorecer a visita, mais educado, porém com simplicidade, do que costumam ser os poetas, que em geral são rabugentos, cheios de si e distantes dos outros, ansiosos, arbitrários. Que alívio! Não fala mal de ninguém, e não porque desconheça o Mal. Seu livro trata dos desarranjos que o pecado original produz cotidianamente. Pois seu tema central é o sacro. Corrijo. Sua terrível ausência.

"borroso en su designio
borrándose al borde de la página"
"en señal de infinito amor a Dios".


Texto de Armando Uribe Arce (1933).

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Obras de Juan Luis Martínez (1942-1993).