segunda-feira, 8 de julho de 2013

Circulando, circulando




Tudo está proibido:
a letra, o pão, o vinho.
Frente a cada hora há um guarda
que nos diz: circulando!,
desapareçam, morram,
que lá dentro estão sentados à mesa,
e não devemos alterar o vento,
porque a injustiça tem
uma digestão difícil.

Circulando! Limpem as ruas,
lustrem as botas, pintem as casas,
para que a atmosfera brilhe
como se fosse uma joia,
porque os amos saem neste momento
para o seu passeio cotidiano,
e se deve acolchoar as ruas
com o cansaço mais sóbrio,
e se deve perfumar os mercados
com a desventura mais doce,
e se deve enfeitar as árvores
com feridas recentes,
e se deve levantar rápidos palácios
nos quais eles possam entrar
para descansar em qualquer parte,
mesmo onde há casas pobres
habitadas, nos cantos
onde há simples artistas
tecendo cestos de vime
para criar o pão sagrado,
ou berços essenciais ante os rostos
apaixonados do sol e da terra.

Circulando, circulando, circulando!
saiam das fendas, das últimas
rachaduras onde o trabalho masca
com boca desdentada, do buraco
mais sombrio onde cresce
a florzinha pálida de um menino.

Circulando, circulando, circulando!
já para a rua
com todas as suas coisas tristes,
empurrem para a morte os seus tísicos,
atirem longe os recém nascidos,
quebrem suas panelas com comida,
joguem suas mercadorias ao fogo,
desocupem logo o ar,
a luz, o amor, a esperança,
desocupem a miséria, os piolhos,
que os senhores querem se refrescar
precisamente aqui, a apenas
alguns metros de suas inumeráveis
mansões, e há que pôr tudo isso
abaixo em dois minutos.

Circulando, circulando, circulando!
ou melhor, ajudem, ajudem,
atirem logo suas coisas, seus filhos,
e ajudem, acendam vocês mesmos
o fogo de que precisam no inverno,
mas "com mais valentia", "mais rápido"
e "nada de lágrimas", "nem parecem patriotas"!
Ajudem, destruam tudo,
tragam madeira perfumada,
consigam as mais finas nuvens,
arrastem um pedaço de geleira
para o coquetel, tragam todas
as corolas da primavera
para utilizá-las como copos,
com todo o cansaço da terra
façam rápido uma rede,
trabalhem, trabalhem, trabalhem!
asfaltem o chão com estrelas,
e apressem-se, que os embaixadores se inquietam,
limpem o ar com os braços,
cubram os frutos com lágrimas
frescas, e terminem, esgotando
o esforço de toda a vida,
esta fina pracinha improvisada
para que os amos descansem
por um segundo. Muito bem!


Poema de Efraín Barquero (1931). Do livro La piedra del pueblo (1954).






Tradução dedicada aos desabrigados, incendiados e assassinados pela especulação imobiliária na cidade de São Paulo.