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Juan Luis Martínez: Quais os poetas que lhe interessam atualmente?
Félix Guattari: Ginsberg.
JLM: Ginsberg é um poeta de poemas individuais, de bons poemas separados, que não funciona com uma linguagem como totalidade, o que não me parece compatível com sua perspectiva. Fico surpreso que lhe agrade. O que me diz sobre isso?
FG: O problema não se coloca pra mim em termos literários. Conheço-o muito bem pessoalmente e, para mim, há uma relação que é muitas vezes esquizoanalítica.
JLM: Conheço sua alusão ao trabalho de Beckett. Você o qualifica como saber esquizofrênico. Pois bem, esse saber esquizofrênico se manifesta ou não na obra? É consciente ou inconsciente?
FG: É inconsciente se se tem uma concepção maquínica do inconsciente, no sentido de uma imersão poética, que eu chamo de caosmótica, algo que você pratica constantemente em seus textos.
JLM: Mais do que em meus textos, pratico-a em meus papéis e em meus encontros, em minhas coisas.
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Félix Guattari: Você tem uma formação científica?
Juan Luis Martínez: Leio livros científicos, mas de forma muito fragmentária. Poucos são os livros que leio do início ao fim. Essa leitura não me interessa. Sou um leitor e um autor fragmentário e meu guia é o desejo de minha própria auto-satisfação.
FG: E por isso você parte a métrica em pedaços...
JLM: Sim, as medidas estáveis, claro. Nas conversas tento introduzir o ponto de vista contraditório.
FG: Isso é muito importante. Penso que, assim como uma sociedade protetora dos cavalos, se deveria criar uma sociedade protetora da contradição.
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JLM: Eu pensava que você se interessasse mais pelos poetas nos quais há uma predominância do significante. Você conhece Eric Kalher?
FG: Não.
JLM: Ele deu uma série de conferências em Princeton sobre a desintegração da forma nas artes e estabelece o exemplo dos cientistas que trabalham no instituto bacteriológico de Maryland. Ele diz que, por um lado, são cidadãos exemplares, pais muito bons, seus impostos estão em dia, tudo está em ordem e, por outro lado, são manipuladores dos elementos para as guerras bacteriológicas. Eles delegam a significação ao Pentágono, aos militares e se atêm exclusivamente à manipulação dos significantes. A situação de muitos poetas atuais é essa, esse divórcio. Já não se pode ser um poeta nos termos em que o foram Eliot, Rilke e nesse sentido vejo muito melhor a um Ezra Pound, muito mais irresponsável. A respeito do predomínio do significante isso lhe parece correto?
FG: Sim, com a diferença de que eu não falaria de significante.
JLM: De que falaria, então?
FG: Em termos de máquina. Tomando como exemplo Ezra Pound, Celine, Michaux, todos eles desencadeiam uma máquina que não se pode definir exclusivamente em termos de significante.
JLM: Eliot dizia que uma obra tem tantas interpretações quanto leitores. Gostaria de saber se, para você, a literatura tem limites.
FG: Não. Quais limites?
JLM: Penso particularmente no caso de Samuel Beckett, que conduz a linguagem a um estado a partir do qual é muito difícil levá-la a um grau maior de desintegração. Seus personagens são sem nome, sem memória, não se sabe aonde vão...
FG: Sim, mas ao mesmo tempo é uma linguagem extremamente elaborada. Não é uma decomposição.
JLM: Os poetas que pensamos ser os mais inspirados são os que mais se corrigem e os que mais trabalham para sê-lo. O que pensa de Borges?
FG: Me aconteceu uma aventura extraordinária com ele. Tínhamos convidado-o para o Centenário de Kafka, em Paris. Passei o dia inteiro com ele. Ele fez uma apresentação do que pensava acerca de Kafka na grande sala do Centro Beaubourg. Estava sozinho no palco, apenas com sua tradutora. Como era cego, não queria que houvesse qualquer ruído. Alguém estava filmando-o em vídeo. Ao fim, fui até o câmera e pedi uma cópia do vídeo e ele me respondeu: "que vídeo?". Estava apenas transmitido para o lado de fora da sala o que acontecia lá dentro, sendo que, além disso, não havia ninguém lá fora. Uma verdadeira performance kafkiana!
(...)
JLM: Você parece ter uma grande confiança na poesia e na linguagem.
FG: Não sou eu, são as crianças, os apaixonados, os loucos, todos aqueles para quem a poesia é como o ar que se respira.
JLM: Penso que a arte que provém, em geral, do romantismo alemão, do surrealismo, está acabada porque o sujeito está acabado. As identidades tão nítidas - você, Félix Guattari, eu, Juan Luis Martínez - estão terminadas enquanto arte.
FG: Totalmente de acordo.
Félix Guattari visitou o Chile em 1991 e participou de diversos encontros com artistas e intelectuais do país. Muitos desses encontros, incluindo-se aí a conversa com o poeta Juan Luis Martínez parcialmente traduzida e apresentada aqui, estão registrados no livro El devenir de la subjetividad.