sábado, 31 de agosto de 2013

Alguns sonhos




Já vão secando os Sonhos
    desta vida
observem-nos lá em cima, alguns
no céu, como brilham!
Abaixo, longínquo, o arco-íris brinca
    com a escuridão
enquanto sobre as rochas canta
    meu coração confundido
Então isto é morrer, o Sonho Azul?
pergunto aos meus irmãos
    da Região Celeste.


*


KIÑEKE PEWMA

Petu amkvy ti mogen ñi Pewma
azkintufimvn wenu, kiñeke Wenu
Mapu mew, ñi wilvfvn
Nag mapu, kamapu mew,
awkantumekey ti relmu zumiñ egu
petu ñi piwke vlkantumekey wente
   kura mu kimvwkvlelay
Feyta anta ti lan, ti
   Kallfv Pewma?
ramtunfiñ ñi pu peñi Kallfv
   mapu mvlelu.


*


ALGUNOS SUEÑOS

Se van secando los Sueños
     de la vida
mírenlos arriba, algunos
en el cielo, cómo brillan
Abajo, lejano, el arcoiris juega
     con la oscuridad
mientras sobre las rocas canta
mi corazón confundido
¿Es este el morir, el Sueño Azul?
pregunto a mis hermanos
     de la Región Celeste.


Poema de Elicura Chihuailaf (1952). Do livro De sueños azules e contrasueños (1995). Autor mapuche e chileno, escreve uma obra sobretudo bilíngue, em mapundungún e castelhano. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Nicanor Parra: Poesia Política




Um preconceito originado nos tempos da "poesia pura", e exacerbado nesta nossa década de recesso político, afirma que os problemas da polis poderiam sujar a pureza das essências líricas, gerando uma poesia panfletária e ideológica de qualidade inferior. Essa ideia não resiste à menor confrontação com a história da literatura. Os grandes poetas gregos, latinos, medievais, modernos e contemporâneos fizeram "poesia política" numa medida considerável. Poderíamos citar, em nosso século, uma grande variedade de registros: o tom profético de Trakl, George e Edith Sitwel; a maneira mista - a perspectiva intimista e pessoal de Kavafis, Machado, Eliot, Quasimodo e Pasternak; o messianismo de Blok, a fantasia irônica de Maiakovski, a militância aberta e programática de Brecht, Aragon, Alberti e, especialmente, do próprio Neruda. É verdade que este último cai, muitas vezes, no panfletário, no pedagógico, na explicação e na apologia, tornando evidente a especial dificuldade do gênero; mas, sem dúvida, é autor de certa poesia política de grande valor. Também o é Nicanor Parra, ao seu próprio modo, que, em contraste com a seriedade nerudiana - um conteúdo revolucionário sob uma linguagem "tradicional" -, consegue a subversão mais íntegra da linguagem mesma, operando através desse elemento político por excelência que é a sua ironia.

Esta antologia de sua Poesía política (Editorial Bruguera), com brioso prólogo de Enrique Lafourcade, se constrói desde 1950 até hoje. Contém excelentes poemas que não são políticos - como "Defensa de Violeta Parra" -, outros que o são em sentido amplo - batalhas campais de robôs e energúmenos, fantasmas ecológicos, crítica da vida nacional -, e muitos que são políticos em sentido estrito e direto. Aqueles que pedem a esta poesia que "tome partido" se surpreendem com a ubiquidade ideológica do autor, que torna possível ler seus poemas - escritos, em sua maioria, durante os quatro últimos regimes do país - de forma quase intercambiável. Obviamente, há muitos que trazem inscritos seu momento e seu alvo: a Unidad Popular, em poemas como esses: "Revolución/ revolución/ cuantas contrarrevoluciones/ se cometen en tu nombre", ou "La realidad no cabe en un zapato chino/ menos aún en un bototo ruso"; enquanto que se trata da atualidade em versos como esses: "Bese la bota que lo pisotea/ no sea puritano hombre x Dios" ou mesmo: "Ayer/ de tumbo en tumbo/ hoy/ de tumba en tumba". Por outro lado, são quase atemporais as referências de poemas como "Los límites de Chile" que, em 1968, diz: "Chile limita al Norte con el Cuerpo de Bomberos,/ al Sur con el Ministerio de Educación,/ al Este con la Cordillera de Nahuelbuta/ y al Oeste con el vacío de las olas del Océano que se nombró más arriba,/al Sur con González Videla./ En el medio hay una gran plasta rodeada de militares, curas y normalistas/ que succionan a través de cañerías de cobre". Inclusive, há na antologia poemas duplos ou "correspondentes", cujo núcleo é o mesmo, mas que se matizam de outro modo, segundo o regime contra o qual apontam.

Esta versatilidade ideológica provocou contra o autor a acusação de ser "palhaço da burguesia", feita por certa esquerda. É o previsível para um autor que dispara quase simultaneamente contra os quatro pontos cardeais, que vive rompendo os esquemas e os rótulos, e que se deixaria tipificar apenas com o vago título de anarquista. No aspecto formal, por sua vez, há uma ambiguidade intrínseca às suas próprias ferramentas poéticas, como a propriedade ventríloqua da poesia dramática: "Cuándo van a entender/ éstos son parlamentos/ dramáticos/ Éstos no son/ pronunciamientos/ políticos". Caberia observar algo parecido acerca da sua ironia, ubíqua e giratória por natureza, também semelhante à sua habilidade para falar nas entrelinhas: "Confío 100% en el lector/ estoy convencido de que hasta los.../civiles / son capaces de leer entre líneas".

Mais interessante que o trabalho convencional de classificar o poeta político é a análise de sua forma de operar politicamente no interior da linguagem. A este respeito, eu aplicaria os conceitos que um brilhante ensaísta chileno, Martín Hopenhayn, usa para definir a operação verbal e crítica de Kafka, guardadas as diferenças da analogia. Hopenhayn chama "literatura do trapézio" àquela que exagera certas feições do seu objeto - como uma caricatura - para feri-lo e transcendê-lo: violenta este objeto, empurra-o até seus limites e assim evidencia sua limitação; enfrenta a linguagem como discurso ideológico e justificação da ordem, a linguagem como discurso insurreto: "O escritor é um trapezista que vende a alma ao diabo para derrotá-la". Pois bem, a poesia política de Parra é muito essencialmente uma "literatura do trapézio" e também, se quisermos, da dança na corda bamba. Quando Parra assume, de certa ordem estabelecida, expressões como "por la libre determinación de los pueblos/ por un mundo sin explotadores/ el orden público está asegurado", o que ele faz é precisamente inverter o sentido do discurso ideológico: subverter. De um slogan convencional extrai seu efeito inverso, a caricatura que fere e transcende: "La izquierda y la derecha unidas/ jamás serán vencidas".

A ironia política e o humor negro de Parra injetam, no interior de um discurso convencional já dado, uma carga de profundidade, uma bomba relógio. Recordemos o enunciado das típicas charadas matemáticas para nos darmos conta da operação verbal subversiva que o poeta cumpre ao reescrever sobre a base implícita dessa convenção: "Poema/ Problema:/ Ciento 4 civiles en un cajón/ cuántas orejas y patas son". Um mecanismo análogo opera no terrível humor negro deste Chiste: "De aparecer apareció/ pero en una lista de desaparecidos".

É evidente que nem todos os poemas políticos de Parra se deixam explicar por esse procedimento, mas isso ocorre em muitos deles, e sobretudo nos melhores. Há outros que pagam um excessivo tributo à ideia, à conclusão ou à moral da história, sem verbalizar a operação subversiva. Mas a antologia está repleta destes acertos que justificam o título - Poesía política - como sólida dimensão de toda sua obra poética.



Texto de Ignacio Valente - que, em realidade, é um pseudônimo de José Miguel Ibáñez Langlois, padre, poeta, teólogo e crítico literário nascido em Santiago do Chile. Aos leitores de Noturno do Chile, livro de Roberto Bolaño, não passarão despercidas as semelhanças entre as figuras de Langlois e do narrador do romance, Sebastián Urrutia Lacroix. Este texto foi publicado no El Mercurio, em 18 de dezembro de 1983. Nos posts seguintes, mais política+Parra, IgnacioXBolaño, etc.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Abro a pálpebra muda

 fecho e verto pra dentro o sol do olho



       minha anima    minha alma procuro



entre liquens negros   algas    vejo boiar
meu rosto carcomido por línguas
Lá vai este olho como boca sedenta     O que procura







     De cima          a baixo


Poema de Soledad Fariña (1943). Do livro Albricia (1988).